por Osvaldo Couto
A Covid-19 tem como principal característica a síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2), cujos sintomas mais comuns são febre, tosse e falta de ar, causados por uma intensa reação inflamatória que atinge os pulmões. Contudo, a infecção gerada pela nova doença pode acometer outros órgãos e sistemas do organismo, entre eles, o sistema digestivo.

Estima-se que o sistema digestivo possa ser acometido em até 60% dos casos da Covid-19, associados ou não aos sintomas respiratórios. Estudos demonstram que sintomas digestivos, como dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos, aparecem em até um terço dos pacientes, mesmo na ausência do quadro respiratório. Esses sintomas gastrointestinais ficaram mais evidentes após a detecção do vírus em células do esôfago, estômago, fígado, intestino delgado e intestino grosso.
No nível molecular, o coronavírus utiliza o receptor da enzima conversora de angiotensina-2 (rECA-2) para entrar no organismo e causar a doença. Algumas pesquisas demonstraram que este receptor é encontrado em grande quantidade nas células intestinais, propiciando a invasão do vírus e a grave ocorrência dos sintomas.
Essa hipótese foi confirmada pela detecção do vírus isolado nas fezes, mesmo na ausência de diarreia, o que contribuiu para o desenvolvimento de novos testes diagnósticos específicos e a possibilidade (ainda a ser confirmada) de existir uma forma de transmissão fecal-oral da Covid-19, semelhante à descrita para a hepatite A. Em alguns pacientes, o vírus pode ser detectado nas fezes mesmo depois de não ser mais identificado no trato respiratório.
O fígado também pode ser acometido pela Covid-19. Há duas formas hepáticas mais descritas. A primeira e mais comum consiste na lesão dos hepatócitos pela intensa reação inflamatória, causando um quadro de hepatite aguda. A segunda decorre da presença de inúmeros receptores rECA-2 nas células das vias biliares intra-hepáticas (pequenos canais que conduzem a bile do fígado ao intestino), que possibilitam a entrada direta do vírus. Neste caso, os pacientes desenvolvem inflamação e a obstrução das vias biliares, chamada colangite esclerosante, que nos quadros mais graves pode persistir por vários meses, levando ao óbito.
Em resumo, já sabemos que a Covid-19 pode afetar o sistema digestivo de várias formas, além do respiratório. Sintomas como diarreia, náuseas, vômitos e quadros de hepatite aguda, sem uma causa aparente, devem ser sempre investigados. Os cuidados de prevenção até então adotados – evitar aglomeração, usar máscaras e se vacinar – consistem nas medidas mais importantes de combate ao vírus.
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Fontes:
Siew C Ng, Herbert Tilg. Covid-19 and the gastrointestinal tract: more than meets the eye. Gut, 2020.
Richard Hunta. COVID-19 and Gastrointestinal Disease: Implications for the Gastroenterologist. Digestive Diseases, 2021.
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